sábado, 19 de janeiro de 2013
Descartes
Penso, logo Existo
De há muito tinha notado que, pelo que respeita à conduta, é necessário algumas vezes seguir como indubitáveis opiniões que sabemos serem muito incertas, (...).
Mas, agora que resolvera dedicar-me apenas à descoberta da verdade, pensei que era necessário proceder exactamente ao contrário, e rejeitar, como absolutamente falso, tudo aquilo em que pudesse imaginar a menor dúvida, a fim de ver se, após isso, não ficaria qualquer coisa nas minhas opiniões que fosse inteiramente indubitável.
Assim, porque os nossos sentidos nos enganam algumas vezes, eu quis supor que nada há que seja tal como eles o fazem imaginar.
E porque há homens que se enganam ao raciocinar, até nos mais simples temas de geometria, e neles cometem paralogismos, rejeitei como falsas, visto estar sujeito a enganar-me como qualquer outro, todas as razões de que até então me servira nas demonstrações.
Finalmente, considerando que os pensamentos que temos quando acordados nos podem ocorrer também quando dormimos, sem que neste caso nenhum seja verdadeiro, resolvi supor que tudo o que até então encontrara acolhimento no meu espírito não era mais verdadeiro que as ilusões dos meus sonhos.
Mas, logo em seguida, notei que, enquanto assim queria pensar que tudo era falso, eu, que assim o pensava, necessáriamente era alguma coisa.
E notando esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as extravagantes suposições dos cépticos seriam impotentes para a abalar, julguei que a podia aceitar, sem escrúpulo, para primeiro princípio da filosofia que procurava.
René Descartes, in 'Discurso do Método'
René Descartes
Filosofia do século XVII
Nome completo René Descartes
Escola/Tradição: Cartesianismo, racionalismo, fundacionalismo
Data de nascimento: 31 de março de 1596
* Local: La Haye en Touraine (atualmente Descartes), Indre-et-Loire, França
Data de falecimento 11 de fevereiro de 1650 (53 anos)
* Local: Estocolmo, Suécia
Principais interesses: Metafísica, Epistemologia, Matemática, Ciência
Trabalhos notáveis: Cogito ergo sum, dualismo cartesiano, dúvida metódica, sistema de coordenadas cartesiano, argumento ontológico para a existência de Deus, considerado o fundador da Filosofia Moderna
Influenciado por: Platão, Pitagoras,Aristóteles, Sexto Empírico, Pirro, Agostinho, Aquino, Anselmo, Ockham, Francisco Sanches, Suárez, Scotus, Mersenne, Montaigne
Influências: Leibniz, Spinoza, Malenbranche, Arnauld, Pascal, Locke, Kant, Husserl
René Descartes (La Haye en Touraine, 31 de março de 1596 – Estocolmo, 11 de fevereiro de 1650[1]) foi um filósofo, físico e matemático francês.[1] Durante a Idade Moderna também era conhecido por seu nome latino Renatus Cartesius.
Notabilizou-se sobretudo por seu trabalho revolucionário na filosofia e na ciência, mas também obteve reconhecimento matemático por sugerir a fusão da álgebra com a geometria - fato que gerou a geometria analítica e o sistema de coordenadas que hoje leva o seu nome. Por fim, ele foi uma das figuras-chave na Revolução Científica.
Descartes, por vezes chamado de "o fundador da filosofia moderna" e o "pai da matemática moderna", é considerado um dos pensadores mais importantes e influentes da História do Pensamento Ocidental. Inspirou contemporâneos e várias gerações de filósofos posteriores; boa parte da filosofia escrita a partir de então foi uma reação às suas obras ou a autores supostamente influenciados por ele.
Muitos especialistas afirmam que a partir de Descartes inaugurou-se o racionalismo da Idade Moderna. Décadas mais tarde, surgiria nas Ilhas Britânicas um movimento filosófico que, de certa forma, seria o seu oposto - o empirismo, com John Locke e David Hume.
René Descartes nasceu em 1596 em La Haye,[2] a cerca de 300 quilômetros de Paris[1] (hoje Descartes), no departamento francês de Indre-et-Loire. A sua mãe, Jeanne Brochard, morreu quando ele tinha um ano.[1]
Com oito anos, ingressou no colégio jesuíta[2] Royal Henry-Le-Grand, em La Flèche. O curso em La Flèche durava três anos, tendo Descartes sido aluno do Padre Estevão de Noel, que lia Pedro da Fonseca nas aulas de Lógica, a par dos Commentarii. Descartes reconheceu que lá havia certa liberdade, no entanto no seu Discurso sobre o método declara a sua decepção não com o ensino da escola em si mas com a tradição Escolástica, cujos conteúdos considerava confusos, obscuros e nada práticos. Em carta a Mersenne, diz que "os Conimbres são longos, sendo bom que fossem mais breves. Crítica, aliás, já então corrente, mesmo nas escolas da Companhia de Jesus".
Descartes esteve em La Flèche por cerca de nove anos (1606-1615).[3] "Descartes não mereceu, como se sabe, a plena admiração dos escolares jesuítas, que o consideravam deficiente filósofo".[4] Prosseguiu depois seus estudos graduando-se em direito, em 1616, pela Universidade de Poitiers.
No entanto, Descartes nunca exerceu o direito, e em 1618 foi para a Holanda, alistando-se no exército do Príncipe Maurício,[1] com a intenção de seguir carreira militar.[1] Mas se achava menos um ator do que um espectador: antes ouvinte numa escola de guerra do que verdadeiro militar. Conheceu então Isaac Beeckman, que o influenciou fortemente e compôs um pequeno tratado sobre música intitulado Compendium Musicae (Compêndio de Música).
Também é dessa época (1619-1620) o Larvatus prodeo (Ut comœdi, moniti ne in fronte appareat pudor, personam induunt, sic ego hoc mundi teatrum conscensurus, in quo hactenus spectator exstiti, larvatus prodeo.[5] Esta declaração do jovem Descartes no preâmbulo das Cogitationes Privatae (1619) é interpretada como uma confissão que introduz o tema da dissimulação, e, segundo alguns, marca uma estratégia de separação entre filosofia e teologia. Jean-Luc Marion, em seu artigo Larvatus pro Deo : Phénoménologie et théologie refere-se à abordagem dionisíaca do homem escondido diante de deus (larvatus pro Deo) como justificativa teológica do filósofo que avança mascarado (larvatus prodeo).
Em 1619 viajou para a Alemanha,[1] onde, segundo a tradição, em dia 10 de Novembro teve uma visão em sonho de um novo sistema matemático e científico.[1] No mesmo ano ele viaja para a Dinamarca e à Polónia.[1] Em 1622 retornou à França, passando os anos seguintes em Paris.[1]
Em 1628 compõs as Regulae ad directionem ingenii (Regras para a Direção do Espírito)[1] e parte para os Países Baixos, onde viverá até 1649.[1] Em 1629 começa a redigir o Tratado do Mundo, uma obra de Física na qual aborda a sua tese sobre o heliocentrismo.[1] Porém, em 1633, quando Galileu é condenado pela Inquisição, Descartes abandona seus planos de publicá-lo.[1] Em 1635 nasce Francine,[1] filha de uma serviçal. A criança é batizada em 7 de Agosto de 1635, morrendo precocemente em 1640,[1] o que foi um grande baque para Descartes.
Em 1637 publicou três pequenos tratados científicos: A Dióptrica, Os Meteoros e A Geometria,[1] mas o prefácio dessas obras é que faz seu futuro reconhecimento: o Discurso sobre o método.
Em 1641 aparece sua obra filosófica e metafísica mais imponente: as Meditações Sobre a Filosofia Primeira, com os primeiros seis conjuntos de Objeções e Respostas. Os autores das objeções são: do primeiro conjunto, o teólogo holandês Johan de Kater; do segundo, Mersenne; do terceiro, Thomas Hobbes; do quarto, Arnauld; do quinto, Gassendi; e do sexto conjunto, Mersenne.
Em 1642 a segunda edição das Meditações incluía uma sétima objeção, feita pelo jesuíta Pierre Bourdin, seguida de uma Carta a Dinet.
Em 1643 o cartesianismo é condenado pela Universidade de Utrecht.[1].Descartes inicia a sua longa correspondência com a Princesa Isabel (1618 – 1680), filha mais velha de Frederico V e de Isabel da Boémia. A correspondência deverá durar sete anos, até a morte do filósofo, em 1650.[1]
Também no ano de 1643, Descartes publica Os Princípios da Filosofia[1], onde resume seus princípios filosóficos que formariam "ciência". Em 1644 fez uma visita rápida à França, onde encontrou Chanut, o embaixador francês junto à corte sueca, que o põe em contato com a rainha Cristina da Suécia. Nesta ocasião, Descartes teria declarado que o Universo é totalmente preenchido por um "éter" onipresente. Assim, a rotação do Sol, através do éter, criaria ondas ou redemoinhos, explicando o movimento dos planetas, tal qual uma batedeira. O éter também seria o meio pelo qual a luz se propaga, atravessando-o pelo espaço, desde o Sol até nós.
Em 1647 Descartes foi premiado pelo Rei da França com uma pensão e começa a trabalhar na Descrição do Corpo Humano. Entrevista Frans Burman em Egmond-Binnen (1648), resultando na Conversa com Burman. Em 1649 foi à Suécia, a convite da Rainha Cristina[1]. Seu Tratado das Paixões, que ele dedicou a sua amiga Isabel da Boêmia, fora publicado.
René Descartes morreu de pneumonia em 11 de Fevereiro de 1650, em Estocolmo, depois de dez dias doente,[1] onde estava trabalhando como professor a convite da Rainha. Acostumado a trabalhar na cama até meio-dia, há de ter sofrido com as demandas da Rainha Christina, cujos estudos começavam às 5 da manhã. Como um católico num país protestante, ele foi enterrado num cemitério de crianças não batizadas, na Adolf Fredrikskyrkan, em Estocolmo.
Em 1667 os restos mortais de Descartes foram repatriados para a França e enterrados na Abadia de Sainte-Geneviève de Paris. Um memorial construído no século XVIII permanece na igreja sueca.
No mesmo ano a Igreja Católica coloca os seus livros na lista proibida[1].
Embora a Convenção, em 1792, tenha projetado a transferência do seu túmulo para o Panthéon, ao lado de outras grandes figuras da França, desde 1819, seu túmulo está na Igreja de Saint-Germain-des-Prés, em Paris.[6]
A vila no vale do Loire onde ele nasceu foi renomeada La Haye-Descartes e, posteriormente, já no final do século XX, Descartes.
Pensamento
O pensamento de Descartes é revolucionário para uma sociedade feudalista em que ele nasceu, onde a influência da Igreja ainda era muito forte e quando ainda não existia uma tradição de "produção de conhecimento". Aristóteles tinha deixado um legado intelectual que o clero se encarregava de disseminar.
Foi um dos precursores do movimento, considerado o pai do racionalismo, e defendeu a tese de que a dúvida era o primeiro passo para se chegar ao conhecimento.
Descartes viveu numa época marcada pelas guerras religiosas entre Protestantes e Católicos na Europa - a Guerra dos Trinta Anos. Viajou muito e viu que sociedades diferentes têm crenças diferentes, mesmo contraditórias. Aquilo que numa região é tido por verdadeiro, é considerado ridículo, disparatado e falso em outros lugares.
Descartes viu que os "costumes", a história de um povo, sua tradição "cultural" influenciam a forma como as pessoas veem e pensam naquilo em que acreditam.
O primeiro pensador moderno.
Descartes é considerado o primeiro filósofo moderno [7], . A sua contribuição à epistemologia é essencial, assim como às ciências naturais por ter estabelecido um método que ajudou no seu desenvolvimento. Descartes criou, em suas obras Discurso sobre o método e Meditações - a primeira escrita em francês, a segunda escrita em latim, língua tradicionalmente utilizada nos textos eruditos de sua época - as bases da ciência contemporânea.
O método cartesiano consiste no Ceticismo Metodológico - que nada tem a ver com a atitude cética: duvida-se de cada ideia que não seja clara e distinta. Ao contrário dos gregos antigos e dos escolásticos, que acreditavam que as coisas existem simplesmente porque precisam existir, ou porque assim deve ser etc., Descartes instituiu a dúvida: só se pode dizer que existe aquilo que puder ser provado, sendo o ato de duvidar indubitável. Baseado nisso, Descartes busca provar a existência do próprio eu (que duvida, portanto, é sujeito de algo - ego cogito ergo sum- eu que penso, logo existo) e de Deus.
Também consiste o método de quatro regras básicas:
verificar se existem evidências reais e indubitáveis acerca do fenômeno ou coisa estudada;
analisar, ou seja, dividir ao máximo as coisas, em suas unidades mais simples e estudar essas coisas mais simples;
sintetizar, ou seja, agrupar novamente as unidades estudadas em um todo verdadeiro;
enumerar todas as conclusões e princípios utilizados, a fim de manter a ordem do pensamento.
Em relação à Ciência, Descartes desenvolveu uma filosofia que influenciou muitos, até ser superada pela metodologia de Newton. Ele sustentava, por exemplo, que o universo era pleno e não poderia haver vácuo. Acreditava que a matéria não possuía qualidades secundárias inerentes, mas apenas qualidades primarias de extensão e movimento.
Ele dividia a realidade em res cogitans (consciência, mente) e res extensa (matéria). Acreditava também que Deus criou o universo como um perfeito mecanismo de moção vertical e que funcionava deterministicamente sem intervenção desde então.
Matemáticos consideram Descartes muito importante por sua descoberta da geometria analítica. Até Descartes, a geometria e a álgebra apareciam como ramos completamente separados da Matemática. Descartes mostrou como traduzir problemas de geometria para a álgebra, abordando esses problemas através de um sistema de coordenadas.
A teoria de Descartes forneceu a base para o Cálculo de Newton e Leibniz, e então, para muito da matemática moderna. Isso parece ainda mais incrível tendo em mente que esse trabalho foi intencionado apenas como um exemplo no seu Discurso Sobre o metodo.
Geometria
O interesse de Descartes pela matemática surgiu cedo, no “College de la Flèche”, escola do mais alto padrão, dirigida por jesuítas, na qual ingressara aos oito anos de idade. Mas por uma razão muito especial e que já revelava seus pendores filosóficos: a certeza que as demonstrações ou justificativas matemáticas proporcionam. Aos vinte e um anos de idade, depois de frequentar rodas matemáticas em Paris (além de outras), já graduado em Direito, ingressa voluntariamente na carreira das armas, uma das poucas opções “dignas” que se ofereciam a um jovem como ele, oriundo da nobreza menor da França. Durante os quase nove anos que serviu em vários exércitos, não se sabe de nenhuma proeza militar realizada por Descartes.
A geometria analítica de Descartes apareceu em 1637 no pequeno texto chamado Geometria, como um dos três apêndices do Discurso do Método, obra considerada o marco inicial da filosofia moderna. Nela, em resumo, Descartes defende o método matemático como modelo para a aquisição de conhecimentos em todos os campos.
Obras:
Regras para a direção do espírito (1628) - obra da juventude inacabada na qual o método aparece em forma de numerosas regras;
O Mundo ou Tratado da Luz (1632-1633) - obra contém algumas das conquistas definitivas da física clássica: a lei da inércia, a da refração da luz e, principalmente, as bases epistemológicas contrárias ao que seria denominado de princípio da ciência escolástica, radicada no aristotelismo;
Discurso sobre o método (1637);
Geometria (1637);
Meditações Metafísicas (1641).
SÍNTESE DO PENSAMENTO DE DESCARTES
1 - O seu projecto consistia em dar um fundamento metafísico (filosófico) a todo o conhecimento.
2 - O que leva Descartes a propor-se realizar este projecto?
A verificação de que todo o saber do seu tempo é um saber desordenado e que isso deve-se a estar baseado em falsos princípios. Ao encontrarmos os verdadeiros princípios de todo o saber estaremos ao mesmo tempo a constitui-lo de forma ordenada, atribuindo a cada dimensão do saber o lugar que deve ocupar no edifício científico. Devemos começar do princípio e como a ciência que estuda os primeiros princípios é a metafísica, a investigação do saber começa com ela.
3 - Descartes não vai pôr em causa o edifício do conhecimento já constituído, de uma forma leviana. Vai encontrar razões para desconfiar da sua validade.
Ao mesmo tempo que põe em causa (destrói) os alicerces do conhecimento tradicional, o pensamento cartesiano encaminha-se para a descoberta de um primeiro princípio absolutamente certo e seguro, que lhe vai permitir reconstruir com ordem e segurança o conjunto dos conhecimentos.
4 – Pôr em causa significa duvidar.
Como se quer encontrar um conhecimento que não pode de modo nenhum ser posto em causa, a estratégia é duvidar de uma forma radical, de forma a que o saber que resistir à dúvida seja considerado radicalmente verdadeiro.
5 - A dúvida cartesiana é conhecida pelo nome de metódica.
Isto não quer dizer que a dúvida é o método, mas que está intimamente ligada sobretudo à 1.a regra do método. o que diz a 1.a regra do método? Diz que só devemos admitir como verdadeiro o que for absolutamente indubitável, isto é, claro e distinto.
6 - Sabendo que só será verdadeiro o conhecimento que resistir completamente ao exame da dúvida, esta deve ser excessiva ou hiperbólica.
Resistindo aos ataques da dúvida hiperbólica, o conhecimento que encontrarmos desta forma será um alicerce seguro para a constituição do edifício ou do sistema do saber.
7 - Qual a conclusão do exercício da dúvida?
É esta: podemos duvidar de tudo menos da existência do sujeito que duvida. Isso não podemos pôr em causa. O que pusemos em causa?
a) Que os sentidos sejam fonte de conhecimento: rejeitamos assim uma teoria empirista do conhecimento, própria dos aristotélicos.
b) Pusemos em causa a existência de qualquer realidade física, inclusive a do corpo do sujeito que duvida, dado que não encontrámos forma de garantir que essa realidade não fosse um mero figurante de um sonho, ou seja, uma realidade imaginária ou onírica.
c) Duvidámos daquilo que anteriormente considerámos um modelo do saber: os conhecimentos matemáticos. Porquê? Porque não conseguimos desfazer a leve, mas preocupante, suspeita de que Deus, realidade omnipotente, me tivesse criado de tal forma que o meu entendimento considerasse verdadeiro o que podia ser falso.
Em suma, o sujeito que duvida põe em causa todos os objectos (inteligíveis e sensíveis) e o seu próprio corpo. O que resta? Resta o sujeito que pôs tudo isto em causa e que por isso mesmo não pode negar a sua existência. Duvida, logo existe.
8 - Se existe, qual é o seu tipo de existência?
É evidente que não pode ser uma existência sensível, porque o corpo não resistiu ao exame da dúvida. Que sujeito é este? É um sujeito ou uma substância exclusivamente pensante. Afirma-se então a existência indubitável da alma e identifica-se todo o ser do sujeito com ela. Este primeiro conhecimento corresponde ao grau zero do conhecimento, porque temos o sujeito que vai conhecer, mas não temos mais nenhum outro conhecimento.
9 - Eu existo. Existo como substância pensante que tem conhecimento da sua existência e da sua distinção em relação ao corpo, mas não conheço mais nada.
Neste momento, posso dizer que ainda duvido de tudo o resto. O que devo concluir daqui? Que sou imperfeito. Em que condições posso dizer que sou imperfeito? Sabendo em que consiste a perfeição e comparando as minhas qualidades com as que são próprias do ser perfeito.
10 - Descoberta a ideia de perfeito no seu pensamento, Descartes vai procurar saber qual a causa ou origem dessa ideia, se é produzida pelo seu pensamento ou não.
Chegando à conclusão que não, Descartes tem de admitir que não só ele existe. Existe de uma forma indubitável o ser que pôs em si mesmo essa ideia, o ser perfeito, Deus.
11 - O objectivo da demonstração é duplo:
a) Conduzir o sujeito ao conhecimento de que existe uma outra realidade e que essa realidade é superior a ele;
b) Recuperar a validade dos conhecimentos matemáticos anteriormente postos em causa, devido à suspeita de que Deus ou ser omnipotente fosse enganador. Provado que Deus existe e é perfeito, não há razão para desconfiar dele. Enganar seria sinónimo de fraqueza ou de imperfeição. Deus é o fundamento metafísico do saber.
12 - A recuperação de validade dos conhecimentos metafísicos é importante para o conhecimento da realidade física.
Com efeito, a realidade física tem como essência a extensão e o movimento, porque é isso que nós concebemos clara e distintamente acerca dela. Sendo a extensão uma realidade geométrica ou matemática, a investigação sobre o mundo físico não poderia começar sem que puséssemos de parte a suspeita de que Deus fosse enganador. Se eu concebo clara e distintamente que a realidade do mundo físico consiste na extensão e no movimento, não tenho agora razão nenhuma para duvidar.
13 - Sabendo em que consiste a realidade do mundo físico, Descartes vai partir para a afirmação desse mundo.
As experiências dos sentidos levam-me a concluir que os objectos físicos exteriores a mim existem, porque eu não sou a causa das impressões que eles em mim provocam. Esta crença é uma evidência sensível, à qual devemos dar validade, até porque já provámos que Deus não me engana quando eu me julgo perante uma evidência. O Mundo físico existe e assim a ciência a que chamamos física já tem
As Regras do Método(...)
em vez desse grande número de preceitos que constituem a lógica, julguei que me bastariam os quatro seguintes, contanto que tomasse a firme e constante resolução de não deixar uma só vez de os observar.
O primeiro consistia em nunca aceitar como verdadeira qualquer coisa sem a conhecer evidentemente como tal; isto é, evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção; não incluir nos meus juízos nada que se não apresentasse tão clara e tão distintamente ao meu espírito, que não tivesse nenhuma ocasião para o pôr em dúvida.
O segundo, dividir cada uma das dificuldades que tivesse de abordar no maior número possível de parcelas que fossem necessárias para melhor as resolver.
O terceiro, conduzir por ordem os meus pensamentos, começando pelos objectos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir pouco a pouco, gradualmente, até ao conhecimento dos mais compostos; e admitindo mesmo certa ordem entre aqueles que não se precedem naturalmente uns aos outros.
E o último, fazer sempre enumerações tão complexas e revisões tão gerais, que tivesse a certeza de nada omitir.
René Descartes, in 'Discurso do Método'
Viver de Olhos Fechados
É propriamente ter os olhos fechados, sem jamais tentar abri-los, viver sem filosofar; e o prazer de ver todas as coisas que a nossa visão descobre não é comparável à satisfação proporcionada pelo conhecimento daquelas que encontramos por meio da filosofia; e, finalmente, esse estudo é mais necessário para regrar os nossos costumes e conduzir-nos por essa vida do que o uso dos nossos olhos para orientar os nossos passos.
(...) Se desejamos seriamente ocupar-nos com o estudo da filosofia e com a busca de todas as verdades que somos capazes de conhecer, tratemos, em primeiro lugar, de nos libertar dos nossos preconceitos, e estaremos em condições de rejeitar todas as opiniões que outrora recebemos através da nossa crença até que as tenhamos examinado novamente; em seguida, passaremos em revista as noções que estão em nós, e só aceitaremos como verdadeiras as que se apresentarem clara e distintamente ao nosso entendimento.
René Descartes, in 'Princípios da Filosofia'
A Admiração é a Primeira de Todas as Paixões
Quando o primeiro contacto com algum objecto nos surpreende e o consideramos novo ou muito diferente do que conhecíamos antes ou então do que supunhamos que ele devia ser, isso faz que o admiremos e fiquemos espantados com ele. E como tal coisa pode acontecer antes que saibamos de alguma forma se esse objecto nos é conveniente ou não, a admiração parece-me ser a primeira de todas as paixões. E ela não tem contrário, porque, se o objecto que se apresenta nada tiver em si que nos surpreenda, não somos emocionados por ele e consideramo-lo sem paixão.
René Descartes, in 'As Paixões da Alma'
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário